21/08/2008

Uma imagem ilusória de nós próprios...


Não desenhamos uma imagem

ilusória de nós próprios, mas

inúmeras imagens, das quais

muitas são apenas esboços, e que

o espírito repele com embaraço,

mesmo quando porventura haja

colaborado, ele próprio, na sua

formação. Qualquer livro,

qualquer conversa podem

fazê-las surgir; renovadas por

cada paixão nova, mudam com

os nossos mais recentes prazeres

e os nossos últimos desgostos.

São, contudo, bastante fortes

para deixarem, em nós,

lembranças secretas que crescem

até formarem um dos elementos

mais importantes da nossa vida:

a consciência que temos de nós

mesmos tão velada, tão oposta a

toda a razão, que o próprio

esforço do espírito para a captar

a faz anular-se.


Nada de definido, nem que nos

permita definir-nos; uma espécie

de potência latente... como se

houvesse apenas faltado a

ocasião para cumprirmos no

mundo real os gestos dos nossos

sonhos, conservamos a

impressão confusa, não de os ter

realizado, mas de termos sido

capazes de os realizar. Sentimos

esta potência em nós como o

atleta conhece a sua força sem

pensar nela. Actores miseráveis

que já não querem deixar os seus

papéis gloriosos, somos, para nós

mesmos, seres nos quais dorme,

amalgamado, o cortejo ingénuo

das possibilidades das nossas

acções e dos nossos sonhos.



André Malraux, in 'A Tentação do Ocidente'


20 comentários:

wind disse...

Excelente texto que vai buscar à psicologiaa muita coisa, ou vice-versa:)
Beijos

Vanda disse...

Querida Lola,


Permite-me que aqui deixe as palavras de um outro livro, "Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar, que, sinto, irem de encontro às que tão profundamente, reproduzes no post de hoje:

"Importa nunca perder de vista a grafia de uma vida humana, que se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o qe ele foi."


Assim é, de facto.


Tentemos.

Pelo menos tentemos :)


Um abraço


PS_fui eu que apaguei o comentário anterior (havia várias letras em falta)

Nux@ disse...

beijocas

Alien8 disse...

Lola,

E o gozo que dá o desenhar de todas essas imagens? O sonho do que (se) poderia ser ou ter sido? (E, naqueles momentos, de alguma forma se é?) Até mesmo o "quase"...

Sendo que esse tal cortejo amalgamado é infinito...

Estou com a Yourcenar, citada pela Vanda: linhas sinuosas, exactamente isso.

E tudo isso muito bem ilustrado no teu belo slide.

Beijocas.

MariaTuché disse...

Que leitura magnifica para começar o meu dia de trabalho.

Espero que as férias tenham sido boas :)

Beijos querida

Lola disse...

Wind,

É uma reflexão sobre o que somos, o que pensamos que somos e o que poderíamos ser...

Beijos

Lola disse...

Vanda,

Grande Marguerite Yourcenar.

Acrescentaria : o que ele poderia ser...

Às vezes surpreendo-me com a descrição que outros fazem de mim: Não me reconheço.

Ou seja a imagem de mim posso não ser eu.

Beijos enormes

Lola disse...

Nux@,

Beijos enormes.

Lola disse...

Alien,

Põe sinuoso nisso:)))

Mas tens razão é de alguma forma lúdico, ser todas as personagens e todas as imagens que vamos criando.

E saltar para o próximo personagem e embarcar para o dessconhecido também é.

Beijos doces

Lola disse...

Mariatuché.

Foram boas sim.
( E ainda tenho uns dias para o Inverno.)

Beijos grandes

Miguel disse...

Tipo auto-analise ...
Excelente escolha ...!

BOM FDS!
Bjks da M&M & Cª!

Anônimo disse...

Conheci uma Lola e como estas palavras - :"somos, para nós mesmos, seres nos quais dorme,amalgamado, o cortejo ingénuo das possibilidades das nossas
acções e dos nossos sonhos." - fazem sentido...

Lola disse...

Miguel,

Bom fim de semana.

Beijos grandes

Lola disse...

Charlie,

Bem vindo.

Quem sabe eu sou a Lola que tu conheceste:)))

Obrigada pela visita.

Beijos

Viajante disse...

Paz e bem.

Abraço!

Vanda disse...

Lola,

Talvez o que escrevemos, se não formos pelo caminho da fantasia, seja o nosso eu mais profundo.


A essencia de tudo quanto nos move, o reflexo do nosso mundo, intimo e privado...

Também nem sempre m revejo no que me dizem :) e às vezes revejo-me e mudo o azimute :)


Bom fim de semana, beijos muitos!

Sorrisos em Alta disse...

Não é o meu caso, que não tenho jeito nenhum para o desenho...
;o)

Um sorriso para ti, Lola

Lola disse...

Querida Vanda,

De repente lembrei-me do Fernando Pessoa:

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."

Mas é tão difícil ser inteiro...

Beijos grandes

Lola disse...

Viajante,

Reverencio o Bem e a Paz que nos deixas.

Obrigada

Abraços

Lola disse...

Sorrisos,

Mas não é preciso jeito para desenhar a vida, ela desenha-nos e faz obras primas de cada um de nós:)))

Beijos e sorrisos, montes deles