Não desenhamos uma imagem
ilusória de nós próprios, mas
inúmeras imagens, das quais
muitas são apenas esboços, e que
o espírito repele com embaraço,
mesmo quando porventura haja
colaborado, ele próprio, na sua
formação. Qualquer livro,
qualquer conversa podem
fazê-las surgir; renovadas por
cada paixão nova, mudam com
os nossos mais recentes prazeres
e os nossos últimos desgostos.
São, contudo, bastante fortes
para deixarem, em nós,
lembranças secretas que crescem
até formarem um dos elementos
mais importantes da nossa vida:
a consciência que temos de nós
mesmos tão velada, tão oposta a
toda a razão, que o próprio
esforço do espírito para a captar
a faz anular-se.
Nada de definido, nem que nos
permita definir-nos; uma espécie
de potência latente... como se
houvesse apenas faltado a
ocasião para cumprirmos no
mundo real os gestos dos nossos
sonhos, conservamos a
impressão confusa, não de os ter
realizado, mas de termos sido
capazes de os realizar. Sentimos
esta potência em nós como o
atleta conhece a sua força sem
pensar nela. Actores miseráveis
que já não querem deixar os seus
papéis gloriosos, somos, para nós
mesmos, seres nos quais dorme,
amalgamado, o cortejo ingénuo
das possibilidades das nossas
acções e dos nossos sonhos.
André Malraux, in 'A Tentação do Ocidente'
20 comentários:
Excelente texto que vai buscar à psicologiaa muita coisa, ou vice-versa:)
Beijos
Querida Lola,
Permite-me que aqui deixe as palavras de um outro livro, "Memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar, que, sinto, irem de encontro às que tão profundamente, reproduzes no post de hoje:
"Importa nunca perder de vista a grafia de uma vida humana, que se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o qe ele foi."
Assim é, de facto.
Tentemos.
Pelo menos tentemos :)
Um abraço
PS_fui eu que apaguei o comentário anterior (havia várias letras em falta)
beijocas
Lola,
E o gozo que dá o desenhar de todas essas imagens? O sonho do que (se) poderia ser ou ter sido? (E, naqueles momentos, de alguma forma se é?) Até mesmo o "quase"...
Sendo que esse tal cortejo amalgamado é infinito...
Estou com a Yourcenar, citada pela Vanda: linhas sinuosas, exactamente isso.
E tudo isso muito bem ilustrado no teu belo slide.
Beijocas.
Que leitura magnifica para começar o meu dia de trabalho.
Espero que as férias tenham sido boas :)
Beijos querida
Wind,
É uma reflexão sobre o que somos, o que pensamos que somos e o que poderíamos ser...
Beijos
Vanda,
Grande Marguerite Yourcenar.
Acrescentaria : o que ele poderia ser...
Às vezes surpreendo-me com a descrição que outros fazem de mim: Não me reconheço.
Ou seja a imagem de mim posso não ser eu.
Beijos enormes
Nux@,
Beijos enormes.
Alien,
Põe sinuoso nisso:)))
Mas tens razão é de alguma forma lúdico, ser todas as personagens e todas as imagens que vamos criando.
E saltar para o próximo personagem e embarcar para o dessconhecido também é.
Beijos doces
Mariatuché.
Foram boas sim.
( E ainda tenho uns dias para o Inverno.)
Beijos grandes
Tipo auto-analise ...
Excelente escolha ...!
BOM FDS!
Bjks da M&M & Cª!
Conheci uma Lola e como estas palavras - :"somos, para nós mesmos, seres nos quais dorme,amalgamado, o cortejo ingénuo das possibilidades das nossas
acções e dos nossos sonhos." - fazem sentido...
Miguel,
Bom fim de semana.
Beijos grandes
Charlie,
Bem vindo.
Quem sabe eu sou a Lola que tu conheceste:)))
Obrigada pela visita.
Beijos
Paz e bem.
Abraço!
Lola,
Talvez o que escrevemos, se não formos pelo caminho da fantasia, seja o nosso eu mais profundo.
A essencia de tudo quanto nos move, o reflexo do nosso mundo, intimo e privado...
Também nem sempre m revejo no que me dizem :) e às vezes revejo-me e mudo o azimute :)
Bom fim de semana, beijos muitos!
Não é o meu caso, que não tenho jeito nenhum para o desenho...
;o)
Um sorriso para ti, Lola
Querida Vanda,
De repente lembrei-me do Fernando Pessoa:
"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."
Mas é tão difícil ser inteiro...
Beijos grandes
Viajante,
Reverencio o Bem e a Paz que nos deixas.
Obrigada
Abraços
Sorrisos,
Mas não é preciso jeito para desenhar a vida, ela desenha-nos e faz obras primas de cada um de nós:)))
Beijos e sorrisos, montes deles
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