24/04/2008

Testemunhos


Dois relatos de mineiros das Minas de Carvão em S. Pedro da Cova,
( Antes de Abril de 1974)

* - Não corrigi erros ortográficos ou gramaticais. O autor escreve "foi", sempre que quer dizer "fui".

"IA DAR À LUZ. POSERAM-ME NO OLHO DA RUA!

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Foi muitas vezes ao Porfírio, a esse malandro! Se ele me desse Caixa («baixa no serviço») eu não vinha embora como vim.
Eu andava grávida e quando cheguei aos sete meses, não podia trabalhar. Foi então ter com ele, pedir Caixa.
- Dá-me licença, senhor doutor?
- Entra moça. Então, moça, que há?
- Eu não posso trabalhar, senhor doutor!
- Porque é que não podes trabalhar, moça?
- Porque eu ando nestas condições, assim, assim. O senhor doutor não está a ver como eu ando? E queria pedir que me desse Caixa!
- E tu, moça, já queres Caixa?
- Pois quero, senhor doutor. Eu não posso trabalhar.
- Pois, então, moça, leva lá três dias. E depois vais trabalhar!...
Eu lá foi descansar aqueles três dias. E quando tentei de novo, vim para casa, porque não aguentava. Eles, então, no escritório, marcavam por cada falta, cinco dias, até que cheguei ao dia 2 de Janeiro e disse ao capataz:
- Amanhã não venho trabalhar.
- Não vens? Porquê?
- Porque já fiz o tempo e não vou andar aqui a meter nojo. Eu vou ter o meu filho em casa, não é aqui na mina.
O capataz disse-me:
- Ó rapariga, tu bem sabes que um dia representa cinco (de faltas). Eu só lhe disse:
- Não adianta nada ir ao Porfírio, porque ele não me dá Caixa.
Mas acabaram-me por baixar. Só que eu estava naquela situação, ia dar à luz e mandaram-me uma carta a casa, no dia 11, pondo-me no olho da rua! Como se fosse uma cadela!
No dia 8 de Fevereiro dei á luz a minha Maria Dolores...

-Preciosa de Almeida, pp. 74-75
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ERA O JAQUIM DA INÊS, O TONO JANELA, O QUIM SIRVINA
-
Foi* p'rá mina com 14 e pró fundo aos 17 (...).
Eu não queria ir para a mina, mas o meu pai é que quis!
Foi para o terreiro com a giga à cabeça e desci aos poços das pesquisas. Não tinha outra coisa. Naquele tempo não havia vergonha de andar ao gigo. Andava mais gente nisso (...). Ainda me lembro de alguns companheiros (...): era o «Jaquim da Inês», o «Tono Janela», o «Quim Sirvina», era o «Neca Sardinheiro», o «Fim Sirvina», o «Jaquim Cunha». No 2º Norte, era capataz o falecido mestre António. De mineiros, andava o «Zé Lino», o... Ainda me lembro de dois tipos que tinham a mania, quando fumavam, aproveitavam para nos atirar a ponta do cigarro, quando a gente minava a fornada.
Trabalhava-se e chegava-se ao resto e «toma lá só metade». A gente botava a conta e às vezes mais, mas não era a que eles queriam. Ainda me lembro que na última vez que eu andei a mineiro - está de testemunha um que mora ali em cima, em Tardariz, o «Zé Rato Seco», em que se fazia assim: a conta era, por exemplo, 15 e eu botava as 15, mas ficavam duas no canal e o carreteiro dava conta ao capataz que carregara 13. Ora os que entravam no turno seguinte, ficavam a lucrar aquelas duas. A gente sofria aquilo. A gente bem protestava, mas tinha que se calar. Era «come e cala-te». Aconteceu assim a muitos.

J. Adão Soares, pp. 80-81"

De Serafim Gesta
(Mazola)